O Dia Estadual da Poesia no Amapá e o seu patrono

       Agosto é um mês conhecido por não ter feriados [1] [2], mas isso não significa que não haja datas comemorativas no mesmo. Uma delas, celebrada aqui no Estado do Amapá, é o Dia Estadual da Poesia.


Mencionado por Alexandre Vaz Tavares em sua poesia,
o rouxinol verdadeiro - que é um símbolo da poesia e dos poetas - não existe no Brasil,
mas, em todo o país, existe a corruíra, que também é conhecida como carruíra, garrincha
e muitos outros nomes, incluindo "rouxinol".



       Como bem sabemos, muitas coisas são celebradas em diferentes níveis e datas, a poesia sendo uma delas e podendo ser homenageada em 14 de março com o Dia Nacional da Poesia e em 21 do mesmo mês, com o Dia Mundial. Há, ainda, as celebrações nos níveis estadual e municipal.
       No Estado do Amapá [3], a data comemorativa foi instituída pela Lei N. 580 de 21 de junho de 2000, a iniciativa partindo - segundo conta a jornalista e poetisa Alcinéa Cavalcante - dos poetas José Pastana, Ricardo Pontes e Leão Zagury, que fizeram a minuta de um projeto de lei e apresentaram ao então deputado Edinho Duarte, que abraçou a causa, elaborou o projeto e o apresentou à Assembleia Legislativa do Amapá - ALAP, que o aprovou por unanimidade. A data escolhida foi 08 de agosto, por conta do nascimento de Alexandre Vaz Tavares. Não sabe quem foi ele?
       Nascido em 08 de agosto de 1958 e falecido em 03 de abril de 1926, Alexandre Vaz Tavares teve sua biografia contada no livro "Personagens Ilustres do Amapá - Vol. 1" de Coaracy Barbosa, fonte do texto presente no blog Porta-Retrato e que transcrevo - com adaptações - a seguir:



O Doutor Alexandre Vaz Tavares




       Nascido na então Vila de São José de Macapá em 08 de agosto de 1858 (apenas 02 anos depois de Macapá ser elevada à condição de cidade e 18 após a Cabanagem), Alexandre iniciou os estudos com seus pais - Alexandre Tavares e Florinda Vaz Tavares - e, aos 15 anos, residia no Rio de Janeiro com seus tios. Após completar o ginásio, foi matriculado na Faculdade Medicina, obtendo a graduação em 1884 com a apresentação da tese "Sífilis Congênita".
        Por influência dos seus pais, Alexandre foi convidado pelo Governador do Pará a prestar serviços em Belém, onde passou a clinicar. Não esqueceu as suas origens e, vez por outra, visitava os seus amigos em Macapá, hospedando-se na casa de D. Francisca Rola de Almeida, amiga íntima de seus pais.
       No ano de 1890, foi nomeado professor de química na Escola Normal de Belém e, influenciado pelo Governador do Estado, se candidatou a Deputado Estadual e, recebendo votos de eleitores de Macapá, elegeu-se no ano de 1891.
        Poeta, Alexandre Vaz Tavares publicava nos jornais de Belém todas as suas criações, inclusive a poesia Macapá, com a qual homenageou a terra onde nasceu, recebendo elogios e aplausos dos poetas, homens de letras e críticos.
       No ano de 1895, foi nomeado Diretor de Instrução Pública do Pará, mas, com a derrota do Governador Lauro Sodré, seu amigo fiel, Alexandre foi colocado no ostracismo e somente no ano de 1916 foi nomeado Diretor da Secretaria da Saúde Pública do Pará.
       Atendendo a dezenas de pedidos de seus conterrâneos, conseguiu a sua nomeação para trabalhar em Macapá e, em 30 de abril de 1920, foi nomeado prefeito, permanecendo no cargo até 16 de junho de 1921.
       Alexandre Vaz Tavares morreu no dia 03 de abril de 1926, recebendo as homenagens do povo amapaense [4].




       O Governador do Amapá, Janary Gentil Nunes, para homenageá-lo, deu o seu nome a um dos estabelecimentos de educação em Macapá, a Escola Estadual Doutor Alexandre Vaz Tavares, situada no bairro do Trem e conhecida como AVT.



O PIONEIRO ENTRE OS PIONEIROS

       Certo, agora que já se sabe quem foi o indivíduo cuja data de nascimento foi, por assim dizer, cedida para o Dia Estadual da Poesia no Amapá, resta entender o motivo pelo qual isso se deu. Como assim?
       Existe uma discussão a respeito do que seria o que chamam de "literatura amapaense", o quê, como e quem a constitui. Pretendo falar mais aprofundadamente a respeito disso num post próprio ao tema e estendido a partir do meus artigos já publicados no jornal Tribuna Amapaense, mas, usualmente, são elencadas três "gerações de poetas amapaenses", das quais a primeira teria se iniciado "sob as asas" do primeiro governador do Amapá, Janary Gentil Nunes, e da chamada "mística do Amapá", portanto, posteriormente ao falecimento de Alexandre Vaz Tavares.
       Todavia, embora ele tenha vindo antes de Alcy Araújo, Álvaro da Cunha, Ivo Torres, Aluísio Cunha e Arthur Nery Marinho, integrantes da chamada "primeira geração de poetas amapaenses", não foi o primeiríssimo escritor com alguma relação com a região hoje conhecida como Amapá, havendo, por exemplo, um dos fundadores do jornal Pisônia, o poeta Joaquim Francisco de Mendonça Júnior, que, com o pseudônimo Múcio Javrot, publicou em Belém o seu único livro (de versos), intitulado "Crepusculares", em 1884. Também, com outro escritor paraense e sob os pseudônimos Paulo Puhan e René Mustache, publicou o panfleto de sangue contra o escritor português Sanches de Frias, que falara mal dos costumes paraenses em um romance.


O Dr. Acylino de Leão Rodrigues.


       Não vou entrar no mérito da obra de Alexandre Vaz Tavares, Mendonça Junior e outros enquanto "literatura amapaense" se o que hoje se entende por Amapá era Pará, mas o fato é que eles se relacionam de uma forma ou de outra com tal região entre os rios Oiapoque e Amazonas, com o médico se destacando - e eis o porquê da data do seu nascimento ter sido escolhida para o Dia Estadual da Poesia no Amapá - pelo fato de ter sido o primeiro a escrever artisticamente sobre Macapá, ao menos segundo (e não com essas palavras) o também médico e poeta, além de seu primo, Acylino de Leão.



O POEMA DE ALEXANDRE VAZ TAVARES

       Embora seja dito que Alexandre Vaz Tavares publicava tudo o que produzia nos jornais paraenses da época, praticamente só se conhece (ou só se divulga) o poema que lhe rendeu o título de "pioneiro a cantar sobre o Amapá", o qual foi publicado na Revista de Educação e Ensino do Pará em agosto de 1889 - o que quer dizer que, se o poeta completaria 160 anos agora em 2018, o poema a seguir completa 129 anos de existência.


MACAPÁ
Na esquerda margem selvosaDo Rio-mar, o Amazonas,Pensativa e descuidosaComo essas gastas madonasDas noites de bacanal,Descansa da actividadeDos anos, na nova idade,A minha amada cidade,Minha cidade natal.
Para Leste orientada,Em face encara o Nascente,De onde lhe envia a AlvoradaUm beijo róseo-nitenteEm cada raio de Sol.À noite, a Lua de prataFios de perolas desataPor entre a florida mataOnde dorme o rouxinol.
Ao Oiapoque, o guiano,Vão seus solos marginais,Que se prolongam, no planoNa das divisões boreais,Em serras em alcantil.A Oeste, vastas campinas,Amplo tapiz de boninas,com pingues raças bovinas,Riquezas e encantos mil.
Por atalaia giganteOu por sinal de defesa,Do granito mais possanteLevanta uma FORTALEZANegras muralhas ao Sul.Outrora, adornadas de aço,Faziam troar o espaçoDos canhões seus co o fracasso,No vasto horizonte azul.
Outrora, quando ascendiaSobre aquela grimpa ingente,Entre os sons da artilhariaO pendão aurifulgente,O auri-verde pavilhão;Trajava a cidade inteiraAlva roupagem faceira,Pela data brasileira,Ou festa de devoção.
Então, que alegre não eraVer-se o lêdo rodopio,Em manhãs de primaveraOu nas tardinhas do estio,De um povo em festa a folgar:Moças, com laços de cores,Raparigas com mil flores,Rapazes buscando amores...Tudo era rir e brincar!
Hoje... Lá jaz o colossoQuase em total abandono,Formando quase um destroçoNa triste mudez do sonoDo desprezo mais cruel.É correção de soldados,É presídio de forçados,É terror de condenadosDe criminosos, quartel.
Hoje o bronze já não salvaDa gallharda bateria,Quer assome a Estrela d’Alva,Quer venha a findar o dia.Não fosse a luta feralDo Rio-mar com a procela,Ou os brados da sentinelaQuando, acaso, a noite vela,Fora tudo em paz mortal...
.................................................
Maldito! Maldito sejaVezes mil um tal GovernoQue insaciável desejaCéus e terra e até o avernoDesfeitos em ouro só!...Maldito, porque os legadosDos nossos antepassados,Em vez de serem zelados,São desprezados sem dó!
Sim! Maldita a Monarquia,Aleijão dos privilégiosQue cegamente confiaAos fátuos caprichos régiosA sorte de uma Nação.Ao sistema – imperialismo,Ao torpe maquiavelismoD’El-Rei Senhor – Egoísmo,Maldição! Sim, maldição!...
Dorme, Cidade, e em teu sonoSonha os fulgores de outrora...Veneza já teve um trono,Já foi dos mares senhoraE as nações já leis ditou:Mas, hoje... ei-la: descansa,Rememorando a pujançaDo fastigio, que a mudançaDos tempos lhe arrebatou...
Dorme!... Tens aos teus pés prostradoO Rio-mar, bardo eterno,Que entoa sempre inspiradoOra, o canto mais galerno,Ora, os hinos do tufão...Dorme aos sons das cavatinasDas aves entre as cortinasDessas florestas divinas.De teu risonho sertão!

       Cabe aqui explicar que tais versos apresentam e descrevem Macapá em sua primeira parte, fazendo questão de destacar o principal monumento local, a Fortaleza de São José, e como ele foi da glória ao total abandono, isso sendo um gancho para a segunda parte do poema, na qual o ressentimento com o descaso dado pela Coroa Brasileira à região à esquerda do Rio Amazonas é evidenciado, mas não apenas isso. Tendo sido publicado cerca de dois meses antes do Golpe Militar de 1889, mais conhecido como Proclamação da República do Brasil, os versos expressam, ainda, o clima antimonárquico da época conturbada em que ele viveu, visto que haviam se passado "apenas" 49 anos  desde a Cabanagem [5] e a região ao norte do Rio Araguari ainda encontrava-se contestada pela França.


Eis o descaso ao qual a Fortaleza se encontrava e foi mencionado
por Alexandre Vaz Tavares em seus versos. Ele durou até 1946,
quando o Comando da Guarda Territorial nela se instalou e
executou serviços de limpeza e arrumação do lugar.
A foto certamente é anterior a tal ano.






NOTAS

[1] O que é MUITO irônico, uma vez que a palavra "feriado" vem do latim feriae (dia de descanso ou dedicado a festas), que, com o uso eclesiástico, passou a significar "dia em que se homenageia um santo", sendo que o nome do oitavo mês do ano, Agosto, deriva do nome do imperador Augustus Caesar, que deu seu nome ao, então, sexto mês, que passou a ser chamado de Augustus (mensis) e tal termo, cujo significado é "venerável, majestoso, magnífico, nobre", talvez tenha originalmente significado "consagrado pelos áugures, com augúrios favoráveis" deriva. O termo em inglês para "feriado", isto é, holyday, deriva de haliday, que vem o antigo inglês haligdaeg, cujo significado era "dia sagrado, dia consagrado, aniversário religioso, Sabá". Em outras palavras, o nome do mês possui uma relação com o que é sagrado (os áugures eram sacerdotes romanos), assim como o termo "feriado", mas não há feriados em agosto... No Brasil, em outros lugares do mundo a coisa muda de figura.

[2] Mas não é por isso que ele é o mês do desgosto. Agosto tem essa fama porque era quando as caravelas partiam de Portugal, sendo um péssimo mês para as namoradas dos navegadores se casarem, já que não tirariam proveito da lua de mel e, ainda por cima, corriam o sério risco de ficarem viúvas muito rapidamente, uma vez que as embarcações podiam naufragar. A revista Superinteressante informa que o escritor Mário Souto Maior teria dito que essa tradição (de não se casar em agosto) foi consagrada na expressão "casar em agosto traz desgosto", transformada em "agosto, mês do desgosto".

[3] Você que é um leitor de outro Estado (pertencendo, portanto, à maior parte do público, diga-se), sabia que existe um município no Amapá com o mesmo nome do Estado?

[4] Na realidade, como a região hoje entendida como sendo o Amapá era parte do Pará, acaba sendo um anacronismo referir-se à população da época como "amapaenses", sobretudo porque tal nome somente veio a ser dado à região com a criação do Território Federal do Amapá em 1943.

[5] Ocorrida durante a Regência, foi de 1835 a 1840.





REFERÊNCIAS

Alcinéa Cavalcante. Hoje é o Dia Estadual da Poesia. Publicado em: 08 Ago 2016, 11h21. Disponível em: <https://www.alcinea.com/poesia/hoje-e-o-dia-estadual-da-poesia>.

Caio Ramos. Por que agosto tem má fama? Publicado em: 31 Jul 2004, 22h00. Atualizado em: 01 Ago 2018, 15h25. Disponível em: <https://super.abril.com.br/comportamento/por-que-agosto-tem-ma-fama/>.

Coaracy Sobreira Barbosa. Personagens ilustres do Amapá - Volume I. Amapá: Departamento de Imprensa Oficial. 1997.

Dep. Edinho Duarte. Lei N.º 0580, de 21 de Junho de 2000. Disponível em: <http://www.al.ap.gov.br/ver_texto_lei.php?iddocumento=5482>.

Douglas Harper. August. 2001-2018. Disponível em: <https://www.etymonline.com/word/August>.

Douglas Harper. Holyday. 2001-2018. Disponível em: <https://www.etymonline.com/word/holiday>.

João Lázaro. Dr. Alexandre Vaz Tavares. Publicado em: 02 Mai 2011, 06h03. Disponível em: <https://porta-retrato-ap.blogspot.com/2011/05/dr-alexandre-vaz-tavares.html>.

João Lázaro. Fortaleza de São José de Macapá: nos tempos do abandono. Publicado em: 08 Set 2011. Disponível em: <https://porta-retrato-ap.blogspot.com/2011/09/fortaleza-de-macapa-nos-tempos-de.html>.

José Eustáquio de Azevedo. Múcio Javrot. In:___. Antologia amazônica: poetas paraenses. 1904. p.103-7. Disponível em: <http://www.fcp.pa.gov.br/2016-11-24-18-22-47/antologia-amazonica-poetas-paraenses>.

Neca Machado. Dr. Alexandre Vaz Tavares. Publicado em: 31 Out 2006. Disponível em: <https://amigos.com/blog/3456/post_62223.html?lang=portuguese>.

Neca Machado. Macapá. Publicado em: 22 Jan 2012. Disponível em: <http://macapaap.blogspot.com/2012/01/macapa.html>.

Origem da Palavra. Feriado. Publicado em: 09 Jan 2012. Disponível em: <http://origemdapalavra.com.br/pergunta/feriado/>.

Verônica Xavier Luna. Um cais que abriga histórias de vida de homens e máquinas construindo o social na cidade de Macapá (1943-1970). Fortaleza, 2017. Disponível em: <http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/23699/1/2017_tese_vxluna.pdf>.

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