Essa célebre questão está presente no clássico livro "Alice no País das Maravilhas" ("Alice's Adventures in Wonderland" ou "Alice in Wonderland", no original), escrito por Charles Lutwidge Dodgson sob o pseudônimo Lewis Carroll, e é tradicionalmente apresentada como algo que não faz o menor sentido, uma charada sem resposta ou mesmo como um símbolo da loucura, loucura essa que a personagem que faz tal questionamento no livro, o Chapeleiro Maluco, tem para dar, vender, comprar de volta, revender e ganhar de presente. Entretanto, e se tal enigma tiver algum fundo de lógica e realmente existir uma semelhança entre um corvo e uma escrivaninha?
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"Why is a raven like a writing desk?" "Por que um corvo é como uma escrivaninha?" - Chapeleiro Maluco. |
Bem, ao longo dos anos, essa charada foi respondida várias e várias vezes. Por exemplo, o enxadrista Sam Loyd [1] propôs duas respostas no seu livro Cyclopedia of Puzzles, publicado postumamente em 1914:
1 - Because the notes for which they are noted are not noted for being musical notes. (Porque as notas pelas quais eles são observado não conhecidas por serem notas musicais).
2 - Because Poe wrote on both. (Porque Poe escrevia sobre ambos).
Enquanto Aldous Huxley deu a seguinte resposta em 1928:
"Because there is a 'b" in both and an 'n' in neither (Porque há um 'b' em ambos e um 'n' em nenhum)."
E Cyril Pearson, em momento não datado, respondeu o seguinte:
"Because it slopes with a flap. (Porque se inclina com uma aba.)"
E o próprio Carroll se viu meio que obrigado a falar sobre uma provável resposta para o enigma, fazendo-o no prefácio da edição de 1896 do livro supracitado:
"Enquiries have been so often addressed to me, as to whether any answer to the Hather's Riddle can be imagined, that I may as well put on record here what seems to me to be a fairly appropriate answer, viz: "Because it produce few notes, tho they are very flat, and it is never put with the wrong end in front!" This, however, is merely an afterthought; the Riddle, as originally invented, had no answer at all."
Isto é:
"Foram tantas as consultas a mim dirigidas, para saber se alguma resposta para o Enigma do Chapeleiro poderia ser imaginada, que eu também posso registrar aqui o que me parece ser uma resposta bastante apropriada, a saber: 'Porque ele pode produzir umas poucas notas, apesar de muito planas; e nunca são colocadas com o lado errado para a frente!' Isto, entretanto, é meramente um adendo, o Enigma, como originalmente inventado, não teve qualquer resposta em tudo."
Porém, eu penso que exista outra resposta, com muito mais sentido e não sou o único a pensar isso - muito embora, apesar de ser uma resposta até que fácil de se alcançar, eu tenha ficando meio chateado em descobrir que outros também já haviam chegado à ela (vide texto de Cecil Adams, nas referências), mas essa chateação só ocorreu (passageiramente) porque eu nunca havia visto ou ouvido ninguém comentando a mesma - além de mim mesmo. Mas enfim, vamos construir a resposta.

Diz-se que os chineses, por volta de 1000 a.C., já utilizavam pequenos pincéis para escrever e que vários povos antigos utilizaram diversos instrumentos para tal finalidade. Hoje, entretanto, além dos lápis, utilizamos canetas, sendo que há canetas de ponta porosa, canetas esferográficas e canetas-tinteiro.
As primeiramente mencionadas foram as últimas a surgir, com um modelo primitivo sendo utilizado nos anos 40 e o modelo atual só surgindo em 1962, quando o japonês Yukio Horie apresentou a caneta com ponta porosa feita de fibra sintética. Do aperfeiçoamento desse produto surgiu, em 1973, a Roller Ball, que une o sistema da caneta de Yukio Horie com o sistema da esferográfica - a tinta sendo absorvida por uma ponta porosa, que molha a parte traseira de uma bolinha metálica.
E por falar na esferográfica, essa caneta é uma invenção do jornalista húngaro Bíró László József, que entrou com pedido da patente em 1938, juntamente com o seu irmão Georg. Basicamente, a caneta utiliza uma bolinha metálica que impede que a tinta de secagem rápida seque e permite que a tinta flua para fora da caneta a uma velocidade controlada.
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Bíró László József (húngaro) ou Ladislao José Biro (castelhano). |
Mas, antes da invenção de László e Georg, utilizava-se a caneta-tinteiro. Embora as memórias da czarina russa Catarina, escritas em 1748, façam menção a um instrumento similar, o primeiro modelo comercial somente foi criado em 1884, pelo americano Lewis Edson Waterman, em cujo modelo a tinta era injetada no reservatório com uma espécie de seringa. Mas... E antes disso? Antes disso, reinavam absolutos os modelos feitos com penas de aves, principalmente penas de ganso.

Eu sei, você deve estar se perguntando o que todo esse papo envolvendo canetas tem a ver com o enigma em questão. Pois bem, o livro onde consta o enigma foi originalmente publicado em 1865, ou seja, 19 (dezenove) anos antes da criação do primeiro modelo comercial de caneta-tinteiro. Isso quer dizer que Lewis Carroll muito provavelmente utilizava penas para escrever.
E a palavra "pena" vem do latim penna, que queria dizer isso mesmo, "pena (de ave e não "pena" enquanto dó ou penitência), pluma". Só que penna também deu o Antigo Francês pene, registrado lá pelo século XII e que, por sua vez, originou o inglês pen, cujo registro data do século XIII, significando "instrumento de escrita" [2].
Ou seja, a semelhança entre um corvo e uma escrivaninha é que ambos tem penas, o que, em inglês, seria algo como "A raven is like a writing desk because both have feathers: the first really has feathers and the second has feather pens" (um corvo é como uma escrivaninha porque ambos tem penas: o primeiro realmente tem penas e o segundo tem canetas de pena).
NOTAS
[1] Samuel Loyd (nascido em 30 de janeiro de 1841, Philadelphia, Pennsylvania, E.U.A. - falecido em 10 de abril de 1911, New York, New York, E.U.A.) foi um fabricante de quebra-cabeças, que é mais famoso por compor problemas de xadrez.
[2] De acordo com Douglas Harper, o termo inglês feather viria do antigo inglês feðer, que teria tanto o significado de "pena", quanto de "caneta".
REFERÊNCIAS
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