Por que se diz que o homem come a mulher?
A sexóloga Laura Muller no programa Altas Horas. Foto retirada daqui. |
Labia majora (grandes lábios) e Labia minora (pequenos lábios). |
Itzpapalotl (Borboleta Obsidiana), um dos cervos de duas-cabeças. |
Mulher arawté e sua filha. Foto: Eduardo Viveiros de Castro, 1991. Disponível em: Instituto Socioambiental - ISA. |
Livro disponível para download em: BrasiliaBooks. |
Uma questão que fica é:"quais as outras línguas que possuem essa utilização?" Bem, investigando na Internet, o que descobri foi que a língua inglesa utiliza o verbo "eat" (comer) ou "eat out" com uma conotação sexual bem específica, significando "fazer sexo oral em" [4], e que, em espanhol, há a as seguintes ocorrências sexuais do verbo "comer":
1 - em expressões como "comeviejas" (come-velhas, comedor de velhas), tal como informado pelo usuário Adolfo Afogutu, do Uruguai, no fórum Word Reference e, jogando tal expressão no Google, é fácil encontrá-la;
2 - no Chile e na Colômbia, sendo mais comum a forma pronominal do verbo, isto é, "comerse", segundo o Wiktionary e, no tocante à Colômbia, María Victoria Uribe Alarcón na página 116 do livro "Antropología de la inhumanidad: un ensaio interpretativo sobre el terror en Colombia".
Além disso, prosseguindo com a demonstração de inexistência de um machismo por trás da expressão, vale dizer que:
Lévi-Strauss observou que "todas as sociedades concebem uma analogia entre as relações sexuais e a alimentação; mas, conforme os casos e os níveis de pensamento, ora o homem, ora a mulher, ocupa a posição do que come e do que é comido" (1970:156), analogia que se manifesta em um grande número de línguas, no nível do vocabulário, em que se aplicam palavras idênticas para designar os atos de comer e de manter relações sexuais (RODRIGUES. 2006, p. 74).
Ou seja, tão relação é variável e, em tese, pode ocorrer com ambivalência. Além disso, Rodrigues (2006, p.74), ainda citando Lévi-Strauss, também fornece uma lista mais longa de exemplos de palavras e mitos que expressam a relação entre comer e manter relações sexuais, os quais organizo a seguir (incluindo alguns que já foram mencionados):
1 -Língua yoruba/ioruba: certo verbo, que possui o sentido geral de "ganhar" ou "adquirir", é utilizado para expressar "comer" e "casar" [note que isso é semelhante às utilizações do português "pegar" e do espanhol "coger"];
2 - Língua francesa: o verbo consommer se aplica tanto ao casamento, quanto à refeição, algo bem parecido ao português consumar e consumir, ambos derivados do latim consumere (comer, desgastar, desperdiçar), que seria uma das duas possíveis raízes da palavra francesa em questão [5];
3 - Língua dos Koko yao, da península do Cabo York: a palavra katakuta tem o duplo sentido de "incesto" e "canibalismo";
4 - Língua ponapê: a consumição do totem (o animal ancestral de um grupo ou povo) e o incesto são ditos da mesma maneira;
5 - Língua dos mashona e dos matabele (África): a palavra para totem tem o mesmo sentido de "vulva da irmã", estabelecendo uma relação indireta entre o ato de comer e o de copular, mas com uma carga proibitiva, já que não se come o totem nem se transa com a própria irmã;
6 - Língua dos tuparis: são utilizadas as locuções küma ka (comer a vagina) e ang ka (comer o pênis) para designar o coito;
7 - O mesmo ocorre em Mundurucu;
8 - Um mito cashibo que, criado o homem, ele pediu comida e o sol o ensinou a plantar milhos e outras plantas comestíveis. Após isso, o homem perguntou ao pênis o que ele gostaria de comer e obteve "o sexo feminino" como resposta. Rodrigues (2006, p. 74) também menciona o tema da "vagina dentada", encontrado em várias partes do mundo e que parece confirmar a hipótese dessa relação, sendo que, além disso, demonstra que a expressão dessa relação ocorre em ambas as partes e não apenas pelo lado masculino.
O tema da vagina dentada é antigo. Embora tenhamos uma vagina com uma cabeça monstruosa e cheia de dentes nesta imagem, a "Noiva de Cristo" de Santa Hildegarda trata de outra coisa, mas, para maiores detalhes, recomendo o texto "St. Hildegard's Unsettling Vision of the Bride of Christ". |
[3] O Wiktionary em inglês relata que "comer", em espanhol, possui duplo sentido (double entendre), no México, significando "ter intercurso sexual" e explicado que isso se daria por conta da semelhança com o verbo "coger", que, segundo outra página do Wikitionary em inglês, significa "pegar; coletar, pescar; capturar; imitar, aprender (na Espanha); transar (Argentina, Paraguai, México, América Central, sendo que a forma alternativa "cojer" seria utilizada na Argentino, no México e na Venezuela); escolher uma direção ou rota (Espanha); dirigir-se a (Espanha); embarcar (Espanha)".O mesmo Wiktionary em inglês relata que "comer", em espanhol e em português, pode ser usado como verbo transitivo, no contexto do xadrez e outros jogos de tabuleiro, significando "capturar uma peça". Tais informações também se encontram em pelo menos outro site em inglês, o Wordsense.
[5] A outra possível origem, segundo o Wiktionary, seria o latim consummare, que outra possível origem do português "consumar", de acordo com o site especializado em etimologia "Origem da Palavra".
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Bibliografia. In:___. Joracy Camargo. Disponível em: <http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=712&sid=303>. Acesso em: 11 mai. 2015.
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Bibliografia. In:___. Joracy Camargo. Disponível em: <http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=717&sid=303>. Acesso em: 11 mai. 2015.
ALARCÓN, Maria Victoria Uribe. Antropologia de la inhumanidad: un ensayo interpretativo sobre el terror en Colombia. 2ª ed. Ed. Uniandes - Universidad de los Andes. 18 set. 2018, 140 p. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=6y2RDwAAQBAJ&pg=PA116&lpg=PA116&dq=el+verbo+comer+significa+tener+sexo&source=bl&ots=ZNdPyMYJ4P&sig=ACfU3U0p6Gj29kP3-84mBBq3FF1w2Q2U-Q&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwii09PU64fpAhW1BtQKHWjLAmoQ6AEwA3oECAgQAQ#v=onepage&q=el%20verbo%20comer%20significa%20tener%20sexo&f=false>. Acesso em: 20 ago. 2020. p. 116.
AN-ALFABETO. Hombre al que le gustan las mujeres mayores que el. Publicado em: 11 abr. 2012. Disponível em: <https://forum.wordreference.com/threads/hombre-al-que-le-gustan-las-mujeres-mayores-que-%C3%A9l.2396751/>. Acesso em: 20 ago. 2020.
BORBA, Anderson. Terminologia Anatômica. Disponível em: <http://cienciasmorfologicas.webnode.pt/introdu%C3%A7%C3%A3o%20a%20anatomia/terminologia-anatomica/>. Acesso em: 10 mai. 2015.
CASTRO, Eduardo Viveiros de. Cosmologia e xamanismo. In: Povo Indígenas no Brasil: Araweté. mai. 2003. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/arawete/110>. Acesso em: 10 mai. 2015.
CASTRO, Eduardo Viveiros. Histórico do contato. In: Povos Indígenas no Brasil: Araweté. mai 2003. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/arawete/95>. Acesso em: 11 mai. 2015.
CRUMPACKER, Bunny. The sex like of food. 2006. Disponível (parcialmente) em: <https://books.google.com.br/books?id=o6XwQrrEK5UC&hl=pt-BR&source=gbs_navlinks_s>. Acesso em: 12 mai. 2015.
DAMATTA, Roberto. Texto VII - Sobre comidas e mulheres. In: Café Filosófico - Pensando bem a arte e a cultura. UFJF, 2012. Disponível em: <http://www.ufjf.br/pensandobem/files/2012/02/texto-VII-2012.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2020.
GINGERICH, Willard. Three nahuatl hymns on the mother archetype:an interpretive commentary. In: Mexican Studies/Estudios Mexicanos, Vol. 4, No. 2, Verão, 1988, p. 191-244. Publicado pela University of California Press on behalf of the University of California Institute for Mexico and the United States e pela Universidad Nacional Autónoma de México. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/249979262_Three_Nahuatl_Hymns_on_the_Mother_Archetype_An_Interpretive_Commentary>. Acesso em: 20 ago. 2020.
GINGERICH, Willard. A performance translation of the nahuatl "wisdom-discouse fables" from the Manuscript of 1558. In: Estudios de Cultura Nahuatl, Vol. 28, Universidad Nacional Autónoma de México - UNAM, 1998, 462 p. Disponível em: <http://www.historicas.unam.mx/publicaciones/revistas/nahuatl/pdf/ecn28/546.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2020.
HARPER, Douglas. Labia majora. In: Online Etymology Dictionary. Disponível em: <http://www.etymonline.com/index.php?term=labia+majora&allowed_in_frame=0>. Acesso em: 10 mai. 2015.
HARPER, Douglas. Labia minora. In: Online Etymology Dictionary. Disponível em: <http://www.etymonline.com/index.php?term=labia+minora&allowed_in_frame=0>. Acesso em: 10 mai. 2015.
LAGE, Leila Marinho. Vaginalmente falando - Cap II - Etimologia e semântica em ginecologia. Disponível em: <http://www.clubedadonameno.com/tmedicos/mostra_temas_medicos.asp?id=47>. Acesso em: 10 mai. 2015.
MERENGUÉ, Devanir. Editorial. In: Rev. bras. psicodrama. Vol. 20. No. 1. São Paulo, jun. 2012. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-53932012000100001>. Acesso em: 20 ago. 2020.
MORMITO, Amanda. O estranho vocabulário da azaração local. Publicado em: 27 ago. 2012. Disponível em: <http://www.buenosairesparachicas.com/2012/08/o-estranho-vocabulario-da-azaracao-local.html>. Acesso em: 20 ago. 2020.
MOTHERBY, George; WALLIS, George (M.D.). A new medical dictionary; or, general repository of physic. J. Johnson: London, 1795. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=9yNhAAAAcAAJ&dq=the+person+that+named+this+vaginal+part+as+nymphae+was&hl=pt-BR&source=gbs_navlinks_s>. Acesso em: 10 mai. 2015.
NOUHAUD, Dorita. Coatlicue, a deusa-mãe. In: BRUNEL, Pierre et al. Dicionário de mitos literários. Tradução: SUSSEKIND, Carlos. 4ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. p.176-185.
ORIGEM DA PALAVRA. Origem da palavra consumismo. 16 dez. 2010. Disponível em: <https://origemdapalavra.com.br/palavras/consumir/>. Acesso em: 20 ago. 2020.
ORIGEM DA PALAVRA. Relação entre palavras - Consumar. In:___. Consultório etimológico. 21 mar. 2014. Disponível em: <http://origemdapalavra.com.br/site/pergunta/relacao-entre-palavras-3/>. Acesso em: 12 mai. 2015.
PASSETTI, Dorothea Voegeli. Canibal. In: Verve. n.6, 2004. p.103-126. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/viewFile/5007/3549>. Acesso em: 11 mai. 2015.
REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Comer. In: Dicionario de la lengua española. Disponível em: <https://dle.rae.es/comer?m=form>. Acesso em: 20 ago. 2020.
RISÉRIO, Antônio. Palavras canibais. In: Revista USP: Amazônia. n 13. mar/abr/mai 1992. 201Disponível em: <http://www.usp.br/revistausp/13/04-riserio.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2015.
RODRIGUES, José Carlos. Tabus do corpo [online]. 7 ed. rev. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006. Antropologia e saúde collection. 154 p. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=-hT0AgAAQBAJ&pg=PA10&lpg=PA3&focus=viewport&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 12 mai. 2015.
SIMÕES, Ricardo Santos et al. Etimologia de termos morfológicos. São Paulo, 14 abr. 2014. Disponível em: <http://www2.unifesp.br/dmorfo/Prof%20Manoel%20Histologia/Dicionario%20etimologico.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2015.
SOLNIK, Alex. No tempo da antropofagia, o verbo comer não tinha conotação que tem hoje. Publicado em: 01 out. 2013. Atualizado em: 01 out. 2013. Disponível em: <http://brasileiros.com.br/2013/10/no-tempo-da-antropogagia-o-verbo-comer-nao-tinha-conotacao-que-tem-hoje/>. Acesso em: 11 mai. 2015.
TOLEDO, Carolina Rossetti. A sexualidade vigiada. In: USP. Revista Anagrama. Ano 2. 2ª ed. dez 2008/fev 2009. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/anagrama/article/view/35354> e em <http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/anagrama/article/viewFile/6299/5717>. Acesso em: 10 mai. 2015.
VIARO, Mário Eduardo. As conexões da transa. In. Língua Portuguesa. 2011, Segmento. Disponível em: <http://revistalingua.com.br/textos/66/artigo249084-1.asp>. Acesso em: 11 mai. 2015.
WIKTIONARY. Comer. Disponível em: <https://es.wiktionary.org/wiki/comer>. Acesso em: 20 ago. 2020.
WIKTIONARY. Consommer. Disponível em: <https://fr.wiktionary.org/wiki/consommer>. Acesso em: 20 abr. 2020.
WORDSENSE. Eat. Disponível em: <http://www.wordsense.eu/eat/>. Acesso em: 12 mai. 2015.
WORDSENSE. أكل. Disponível em: <http://www.wordsense.eu/%D8%A3%D9%83%D9%84/>. Acesso em: 12 mai. 2015.
Comentários
Postar um comentário