Quem se forma em Letras é o quê?

       Uma questão que inquieta a mente de muitos estudantes e profissionais da área de Letras diz respeito à denominação daquele que se forma na área, pois, apenas para exemplificar, quem se forma em Biologia é biólogo(a), enquanto que quem se forma em Física recebe a denominação de físico(a), ao passo que o indivíduo formado em História é um historiador, mas e quem se forma em Letras? Que nome se dá ao indivíduo formado nessa área do conhecimento? [1]


J. R. R. Tolkien certamente criaria uma palavra para acabar de vez com isso (rs).


       Tenho visto e ouvido esporadicamente alguns debates ou posicionamentos quanto a essa questão, sobretudo na rede social denominada Facebook, sendo que, na maioria dessas situações por mim presenciadas, apenas se levanta o questionamento, enquanto em outras há a apresentação e a defesa ou rejeição do termo "letrólogo".
       Quanto a esse termo, eu ainda não descobri se existe um cunhador oficial dele, mas, provavelmente, o mesmo surgiu na mesma onda nomeadora que originou o "odontólogo" e o "turismólogo", sendo possível encontrá-lo como um adjetivo associado ao substantivo "graduando" no segundo parágrafo da página de apresentação do site da revista científica Graduando.
       Entretanto, aquilo que mais me chamou a atenção nessas minhas buscas foi a definição dada por Socram, usuário do sítio Dicionário Informal, para a palavra "letrólogo", a qual transcrevi na íntegra:


Letra: Sinais escritos em outros sistemas de escrita são melhor chamados silabogramas (que denotam uma sílaba) ou logogramas (que denotam uma palavra ou frase). logos = "palavra", por extensão, "estudo, análise, consideração, questionamento sobre alguma coisa ou algo"). Letrólogo é o profissional de nível superior diplomado Letras. Letras é o estudo da língua portuguesa e de idiomas estrangeiros e de suas respectivas literaturas. O profissional de Letras pesquisa e ensina o português e idiomas estrangeiros e a literatura brasileira e de outros povos. Em geral, ele se especializa em uma língua moderna, como inglês, espanhol, francês e alemão, mas também pode dedicar-se a línguas clássicas, como latim e grego. Essa é uma área em que é preciso estudar sempre, a fim de manter o domínio dos idiomas e estar atualizado com as novas expressões idiomáticas. O principal campo de trabalho para o licenciado está nas escolas de ensinos fundamental e médio ou de idiomas. Mas também há espaço em editoras, para fazer a preparação de originais e para revisar e traduzir textos, e nas áreas de interpretação e secretariado bilíngue.
Letrólogo estuda temas que incluem a história, a estrutura e o funcionamento de uma ou mais línguas e a cultura e a literatura de povos.


       A definição apresentada por ele para essa palavra, que ainda não está registrada pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (a palavra "odontólogo" já se encontra registrada, mas, em compensação, "turismólogo" ainda não o foi também) [2] é muito boa, porém, cabe ressaltar duas coisas.
       Primeiramente, o curso superior de Letras no Brasil não se mostra da forma como o conceito dado pelo usuário dá a entender, não havendo uma uniformidade que seja válida para qualquer parte do país e tampouco sendo voltado exclusivamente para a subárea de Letras. Hã? Subárea, como assim?
       A segunda coisa a se ressaltar é exatamente isso, a Área de Conhecimento de Letras possui duas subáreas, no caso, "Linguística" e "Letras", as especificidades de ambas costumando estar presentes na matriz curricular dos curso de Letras e, como é natural do ser humano ter mais afinidade com determinadas coisas do que com outras, nem todo profissional de Letras irá atuar simultaneamente e nem com a mesma qualidade nesses dois universos que o curso abrange.
       Para entender melhor o que estou tentando dizer, utilizarei aqui a tabela de áreas de conhecimento da CAPES. Segundo o que se pode entender dessa tabela (páginas 27 e 28) e do texto disponibilizado na página anteriormente lincada, temos várias Grandes Áreas (ou "1º Nível"), das quais há uma denominada "Linguística, Letras e Artes" (código 80000002), a qual congrega duas Áreas de Conhecimento ou Áreas Básicas ou Áreas de Avaliação (2º Nível):  "Letras/Linguística" e "Artes/Música". Delas, a primeira divide-se em duas Subáreas (3º Nível), as quais são denominadas "Linguística" e "Letras", aquela possuindo 06 (seis) Especificidades (4º Nível), enquanto esta possui 10 (dez).
       As especificidades da subárea denominada como "Linguística" são: Teoria e Análise Linguística, Fisiologia da Linguagem, Linguística Histórica, Sociolinguística e Dialetologia, Psicolinguística e Linguística Aplicada.
        Já a subárea designada como "Letras" possui as seguintes especificidades: Língua Portuguesa (LP, para os íntimos), Línguas Estrangeiras Modernas, Línguas Clássicas, Línguas Indígenas, Teoria Literária, Literatura Brasileira, Outras Literaturas Vernáculas, Literaturas Estrangeiras Modernas, Literaturas Clássicas e Literatura Comparada.
       Deste modo, como não existe uma uniformidade curricular dos curso de Letras espalhados pelo país, alguns trarão essas especificidades mais harmonicamente distribuídas, enquanto outros penderão mais para as de uma subárea do que de outra, sendo provável, ainda, que existam cursos que sequer contenham as especificidades linguísticas, enquanto há graduação voltada exclusivamente para a linguística e que recebe os nomes de "Linguística" ou "Letras (linguística)". Quanto a esta última possibilidade de graduação, o Guia do Estudante menciona a sua existência em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; em Campinas, na Universidade de Campinas - UNICAMP; e em São Paulo, na Universidade de São Paulo - USP.
       Mas por qual motivo estou tratando disso? Primeiramente, porque, devido à falta de uniformidade dos cursos de Letras no Brasil e o fato de que os mesmos não produzem somente licenciados, mas também bacharéis, penso que seja inadequado utilizar o termo Letrólogo para se referir de maneira geral ao graduado em Letras, sobretudo segundo a definição fornecida pelo usuário Socram.


Imagem que se encontra pela internet.


       Segundo, porque, como lembra o blog "Português é Legal", ser professor não é a única opção de quem se gradua em Letras e as possibilidades de atuação profissional são variadíssimas, sendo um equívoco querer tratar o graduado em Letras da mesma maneira simples e direta que se trata quem cursou medicina, por exemplo.
       Assim, e considerando que termos como "letrista", "beletrista", "literato" e "letrado" não dizem respeito exclusivamente à pessoa que graduou em algum curso de Letras, defendo que o ideal seja a nomeação do indivíduo de acordo com a sua área de atuação profissional - e aqui sim o termo "Letrólogo" entraria, enquanto nomeação para aqueles dotados de maior afinidade com a subárea de Letras, ao passo que os atuantes da subárea denominada "Linguística" deveriam ser nomeados "linguistas".
       Sim, eu sei que as atuações específicas da área podem ser comparadas com as específicas de medicina, por exemplo, de modo que o termo "letrólogo" poderia ser utilizado de forma geral, tal como o termo "médico", de modo que as nomeações atreladas a algumas especificidades, como "filólogo", "sociolinguista", "professor de inglês", "professor de português e literatura" e outras seriam utilizadas como o "clínico geral" e o "cardiologista", por exemplo, o são em relação aos formados em medicina.
       Todavia e para encerrar, considerando que "letrólogo" pode ser entendido como "aquele que estuda Letras", o que impediria a utilização do termo também para o profissional formado que atua somente com a subárea de Letras? Assim, creio que seja possível utilizar o termo, não como denominação geral, mas sim como a denominação de uma das facetas do curso, cuja outra é representada pelo linguista.





NOTAS

[1] Eu originalmente escrevi este texto para o blog feito em conjunto com duas amigas durante a especialização em "Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e literatura" (2014) e resolvi revisá-lo, atualizá-lo e publicá-lo aqui para o Dia do Profissional de Letras, que é comemorado em 21 de maio.

[2] Isso em 2014, mas até hoje não houve o acréscimo de tais termos ao Volp.





REFERÊNCIAS


ABL. Busca no vocabulário. Disponível em: <http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=23>.

CAPES. Tabela de áreas de conhecimento/avaliaçãoPublicado em: 01 abr. 2014. Última atualização em: 20 out. 2014. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/avaliacao/instrumentos-de-apoio/tabela-de-areas-do-conhecimento-avaliacao>. 

Conselho Editorial. Apresentação. In: UEFS. Graduando: Entre o ser e o saber. Disponível em: <http://www2.uefs.br/dla/graduando/apresentacao.htm>.

Pablo Martins; Carolina de Jesus Pereira. 4 coisas que você não sabia sobre pessoas de Letras. In:___. Português é legal. Publicado em: 27 fev. 2014. Disponível em: <http://www.portugueselegal.com.br/4-coisas-que-voce-nao-sabia-sobre-pessoas-de-letras/>.

Pablo Martins; Carolina de Jesus Pereira. Mais 5 coisas que você não sabia sobre pessoas de Letras [Parte II]. In:___. Português é legal. Disponível em: <http://www.portugueselegal.com.br/mais-5-coisas-que-voce-nao-sabia-sobre-pessoas-de-letras-parte-ii/>. Publicado em: 17 abr. 2014. Acesso em: 26 nov. 2014.

Socram. Letrólogo. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/letr%C3%B3logo/>.


1 Comentários

  1. Sinto-me bastante confortável ser chamada de "Letróloga", acho quase que um preconceito o licenciado em Letras ser automaticamente categorizado com um professor, que é uma profissão maravilhosa, a pratico, mas reduz o profissional formado.

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